Só nos lembramos de Santa Barbara quando faz trovoada.
Isto a propósito da tentativa de “restauro”, tentativa? Só se for de assassinato, levada a cabo pela Sr.ª Gimenez no Ecce-Homo da paróquia de Borja em Saragoça.
Não podia deixar de lançar umas quantas farpas relativamente a este assunto, até porque é uma área que me é relativamente próxima e conhecida.
Hoje em dia temos a mania da defesa da moral e bons costumes, duma caridadezinha, resquícios ainda do Estado-Novo, apregoa-se um pouco levianamente o “não há culpas a reclamar”, mas temo que neste caso há culpas a apontar e muitas.
O facto de o Pároco atribuir tamanha delicada tarefa a uma curiosa, só demonstra bem a noção e consideração que se nutre por esse mundo fora pelo património, não passando de meras tarefas “bricoleiras” que qualquer “jeitoso” pode desenrascar.
Não é pelo facto da Sr.ª Gimenez ser uma anciã de 81 anos que a desculpa de tal atentado, se a mesma se via incapacitada para o desempenho de tal “jornada”, que arrumasse as botas e as entregasse a “quem melhor pé tem para correr”, restauro nada tem a ver com pintura decorativa ou croché.
É triste que só nos tenhamos apercebido, aliás, gozado com este facto, quando por esse mundo fora, fruto de guerras, pilhagens, e todo o tipo de comportamentos iconoclastas, desapareçam todos os dias um pedaço da nossa memória coletiva, e porque raio não vem isso escarrapachado nos Facebook’s e afins?
Entristece-me que este episódio seja aproveitado por uma minoria pseudo-intelectualóide, que pouco percebe dos males do nosso património material e imaterial, para obterem uns quantos acenos de cabeça, quando na verdade a intenção subjacente nada tem a ver com a perpetuação da memória e passagem de testemunho a gerações vindouras.
Como é possível haver petições que solicitem deixar ficar a pintura no atual estado e afirmarem que “o ousado trabalho da espontânea artista representa um ato de amor cativante e um reflexo inteligente da situação política e social do nosso tempo”?
Que tenham atos de amor cativante para com os netinhos, a borrada feita nada tem a ver com a situação social atual. A obra originalmente criada por Elias Garcia Martinez retrataria em si a situação social da época? Ora torna-se legitimo apagar-se um registo inicial em detrimento de outro?
Como é possível achar-se piada a um atentado contra o património? Isto só
demonstra uma incrível falta de sensibilidade, respeito e bom senso.
Só me ocorre uma única razão para deixar ficar a pintura no atual estado, e essa é única e exclusivamente como exemplo a não seguir, esperando no entanto que não se abra um precedente perigosíssimo e dê aval para tudo o que é curioso se mande por esse mundo fora a “espintalgar” pinturas barrocas.
Deveria este episódio chamar a atenção para todos os outros “incidentes” oficiosos e não Facebookados, despertar a consciência no público da importância e fragilidade do património mundial, e de uma vez por todas dar a conhecer que existe um sem número de pessoas por esse mundo fora que disto fazem profissão. Profissionais que detêm conhecimentos práticos, teóricos, científicos, éticos e deontológicos. Pessoas que queimaram pestanas anos a fio em Faculdades para que pudessem desempenhar este tipo de tarefas da forma mais profissional possível.
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